Disputas de terras continuam. Maria Vilain envia uma carta, publicada, no Correio do Povo de 19 de outubro, contando que seu pai, Jean Baptista, comprou 3 ações da Companhia Belga-Brasileira de Colonização, tendo direito a 75 acres de terra. O fato tinha sido negado por Alexandre Justino Regis, que se dizia o dono dessas terras, entrando com ação na justiça.
Ao público.
Para que não fique impune a perseguição que nos foi movida pelo pretenso direito do sr. Alexandre Justino Regis sobre as terras de minha propriedade e de minha mãe, sitas no lugar Ilhota, do município de Itajahy, das quais minha família estava de posse por direito de contrato com uma sociedade Belga [a Companhia Belga-Brasileira de Colonização], há 60 anos e em cujas terras resido há 32 anos, em casa edificada por nós, cultivando as mesmas terras, conservando estradas, pagando direitos durante esse tempo, venho, em razão do mesmo sr. Regis ter obtido sentença favorável perante o dr. Juiz de Direito d'esta comarca na ação de despejo de propriedade que contra nós tentou em maio do corrente ano, lavrar o presente protesto e ao mesmo tempo fazer público as tristes consequências de que temos sido vítimas, devido a tão desumano procedimento do mesmo sr. Regis, que, se não for castigado pela justiça dos homens, sê-lo-há [há de ser] pela de Deus!
Há 7 anos mais ou menos atrás, tentou o mesmo senhor igual ação de desaprovação, o que não conseguiu por não possuir documentos para provar o seu pretexto direito. Confiantes no nosso justificado direito reconhecido, continuamos a lavrar nossas terras, quando, no dia 31 de maio próximo passado, apresentaram-se na nossa pobre choupana dos meirinhos acompanhados por dois policiais, armados de sabres e espingardas, que disseram vir de ordem do dr. Juiz de Direito botar tudo na rua para desocupar as terras ou nos levarem presas!!
Respondi que essas terras e a casa eram minhas e de minha mãe, por isso não saía. Deram-nos então voz de prisão.
Não podendo acompanhar-me minha velha mãe de 84 anos de idade, por se achar doente, vim só ao dia seguinte, não vindo no mesmo dia por não poder caminhar perto de 5 ou 6 léguas a pé.
No referido dia, à 1 hora da tarde, apresentei-me na residência do dr. Juiz de Direito, que diz-me ter eu desobedecido nas ordens, mandando-me em seguida recolherem à prisão, juntamente com Manoel João Baptista Bondim, possuidor de ações da referida sociedade belga, Vincente Correia dos Santos e Leandro Maes.
Em tão triste situação, pobre viúva com 54 anos de idade, recorri a um advogado, o sr. Francisco Margarida, que, depois de apresentar algumas dificuldades, conseguiu, no fim de 3 dias de prisão, sob fiança, que me defendesse em liberdade de um único processo de desobediência a que tive de responder no dia 21 de setembro, próximo passado e em o qual fui absolvida unanimemente assim com as outras vítimas. Digo único processo, porque a consciência não me acusa de crime algum, pobre mulher não poderia resistir a quatro homens que me quisessem levar presa!
Devido a tão injusta perseguição e atemorizada por tão atroz injustiça, minha velha mãe, que, apesar dos seus 84 anos ainda conservava todo o seu juízo e dava-se ainda a trabalhos domésticos, tem dado continuas mostras de enfraquecimento cerebral e tem igualmente perdido à boa saúde que até então gozava; meu irmão João Baptista Villain, pai de 5 filhos menores, andando já adoentado não pôde resistir às nossas infelicidades e veio a falecer no dia 5 de setembro.
O infeliz Manoel João Baptista Bondim, pai de 8 filhos menores e aterrorizado também pelo processo que tinha de responder, enlouqueceu e já preso em casa de família por ter tentado suicidar-se! Quanto a mim, privada do que me pertence, fora da casa e das terras onde trabalhei durante 32 anos, criando honestamente meus filhos, que hoje, felizmente, se acham todos casados, pois que há 20 anos fiquei viúva com 6 filhos menores, também não enlouqueci porque Deus não foi servido!
Eis, pois, o quadro de misérias a que fomos reduzidos pela desumanidade do sr. Alexander J. Regis, que não sabemos o que mais pretende de suas infelizes vítimas.
Concluindo, perguntamos: quais os documentos apresentados pelo sr. Regis para alegar o seu pretenso direito? No entretanto, os nossos que se acham juntos aos autos em poder do Superior Tribunal de Justiça, se originam nas três ações do contrato da sociedade organizada na Bélgica no ano de 1844, pertencentes a meu pai, João Baptista Villain, falecido há 11 anos, natural da Bélgica e bem assim minha mãe, que para aqui vieram no referido ano com Carlos Vandeleid [Van Lede], que já tinha vindo antes comprar terras para a referida sociedade estabelecer uma colônia.
Essas terras foram compradas uma légua quadrada ao capitão José Henrique Flores, no lugar Ilhota, entre Itajahy e Blumenau, e outras no Belchior e Sarceiro, no mesmo lugar, não sabemos a quem.
A sociedade dissolveu-se antes do prazo que era de 10 anos, diverso possuidores de ações dessas terras retiraram se para fora do lugar, meu pai porém nunca abandonou sua posse sem que deixasse uma pessoa em seu lugar, residindo ai um filho há pouco falecido em Florianópolis de nome Guilherme Baptista Villain, 14 anos, e eu que já me achava nas mesmas terras há 32 anos até 31 de maio do corrente ano, data em que dali fomos obrigados a retirar-nos.
Ora, durante 60 anos de domínio nosso nestas terras, nunca nos foi contestada essa posse, somente há 7 anos é que o sr. Regis arrogou-se esse direito sem documento algum, a que nos conste, como estamos informados; por isso naquela ocasião não conseguiu o seu intento, e somente agora! Felizmente ainda confiamos na justiça do nosso Estado e muito breve tentaremos uma ação contra semelhante esbulho, visto já ter-nos preparado com tempo, pois estamos convencidas de que o nosso prejuízo neste feito proveio de demoras e delongas da nossa defesa.
Itajahy, 17 de outubro de 1904
Maria Villain