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Mina de manganês no Morro Santa Cruz (“Mina dos Belgas”), Corumbá/MS

Location: 
Morro Santa Cruz, maciço do Urucum , Corumbá - Mato Grosso do Sul
Morro Santa Cruz Mina Manganês
Tipologia: 

Testemunho da primeira atividade sistemática de mineração no centro-oeste brasileiro que não a do ouro e do diamante (século XVIII), esta lavra de manganês foi aberta em 1907 pela Compagnie de l’Urucum, empresa mineradora belga fundada em 1906 em Ougrée e que atuou até cerca de 1918 na região de Corumbá, no pantanal do antigo Mato Grosso, fronteira  com a Bolívia.

Desde antes da Guerra da Tríplice Aliança (1864-1870) já eram conhecidas as possibilidades econômicas para a mineração na morraria do Urucum – excepcional complexo montanhoso que se eleva abruptamente a mais de mil metros de altitude em meio à planície pantaneira. Somente após o fim do conflito, entretanto, com a reorganização territorial e econômica da província é que se iniciou uma tentativa, ainda que frustrada, de aproveitamento das lavras. Quem primeiro obteve a concessão de exploração foi o barão de Vila Maria, proprietário de amplas terras nas quais se situavam o maciço do Urucum e as jazidas. Sua morte em 1876, entretanto, interrompeu o início de qualquer empreendimento e a concessão lavras passou por sucessivos donos até ser adquirida pelos belgas da Compagnie (LAMOSO, L. P. A exploração de minério de ferro no Brasil e no Mato Grosso do Sul. FFLCH-USP. 2001.).

Naquele início de século XX Corumbá possuía a condição de porto franco, articulando a maior e mais rica parte de todo o comércio entre o interior do antigo Mato Grosso e a Europa através das capitais platinas; dotada de uma população flutuante e de origem diversificada e sede de dezenas de casas importadoras e exportadores, a cidade abrigava ainda bancos nacionais e estrangeiros e diversos consulados – inclusive, um consulado belga (STOLS, E. Les Belges au Mato Grosso et en Amazonie ou la récidive de l’aventure congolaise – 1895-1910. In: DOUMOLIN, M.; STOLS, E. [org.]. La Belgique et l’etranger aux XIXe et XXe siécles. 1987.). Neste contexto favorável, a Compagnie abriu, então, as primeiras lavras no maciço do Urucum, trouxe engenheiros belgas e operários dos países vizinhos e implantou uma via férrea de bitola estreita entre as lavras e a margem direita do rio Paraguai, visando ao escoamento da produção (LAMOSO. Op. cit.). Para tudo isso manteve alguma relação, ainda não devidamente identificada, com a Fazenda Urucum – grande propriedade agrícola no interior da qual se localizavam as lavras e possuidora de uma estrutura produtiva que possivelmente atuou como fonte de subsistência aos trabalhos.

A eclosão da I Guerra Mundial (1914-1918), porém, veio a alterar drasticamente o quadro, ao trazer a crise ao comércio internacional escoado por Corumbá e redirecionar os esforços belgas para o próprio país, então conflagrado.

Conhecida como “mina dos belgas”, trata-se do acesso as galerias escavadas junto aos veios de minério de manganês, situados nas cotas superiores do morro de Santa Cruz. Na realidade, trata-se de uma das entradas, uma vez que existem ainda outras adjacentes a ela. Sua abertura possui cerca de 3,5 x 2,5 metros e, à guisa de pórtico, emoldura-lhe o acesso uma portada feita de tijolos aparentes a conformar elementos geométricos. Sua base, na rocha escavada, encontra-se pintada de branco e nela ao longo das décadas foram instalados elementos a ressignificar a mina: diversas placas oficiais comemorativas, em alusão aos marcos da explotação do manganês por sucessivas empresas que atuaram na região nestes cem anos; e um nicho construído no pórtico onde, guarnecida por uma proteção em vidro, figura uma imagem de Santa Bárbara, padroeira dos mineiros. Já o interior da mina oferece ao visitante a singular experiência de se sentir no interior da montanha, ao longo de galerias e colunas rugosamente multifacetadas, a sustentar uma estranha catedral sob bilhões de toneladas de rocha, solo e vegetação.

Hoje a antiga mina encontra-se desativada, mas preservada e devidamente identificada no interior de área agora sob concessão da Companhia Vale do Rio Doce. É, também, um dos geossítios do Geopark Bodoquena-Pantanal, proposto ao reconhecimento internacional para figurar na lista do Global Geopark Network, sob os auspícios da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura/UNESCO.  

texto: FABIO GUIMARÃES ROLIM