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Renotte Maria (1852 - 1942)

, Souverain-Wandre -
Renotte Maria
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Nascida no dia 11 de fevereiro de 1852, em Souverain-Wandre, perto de Liége, na Bélgica, Maria Renotte (também escrito como Rennotte) concluiu o magistério com os diplomas do Cours Normaux, Societé pour l'Instrucion Élementaire (1874) e e o Brevet de Capacité pour l'enseignment — Institutrice II ordre (1875) em Paris, segundo algumas fontes, na "Ècole normale de Liège", segundo outras. Foi lecionar francês durante três anos na Alemanha, em Mannheim.

Em 1878 chegou no Rio de Janeiro para trabalhar como governanta. Deu aulas em colégios particulares, como o Colégio Werneck. Destacou-se entre as mulheres da sociedade brasileira, por sua sólida formação profissional, por falar vários idiomas, fato raro e desejável na época, e, além disso, por defender o ideário feminista. Foi contratada para lecionar no Colégio Piracicabano (1882), recém fundado por metodistas do sul dos Estados Unidos na cidade de Piracicaba (SP) em 1881, associado a terceira Igreja Metodista no Brasil.

Renotte Maria Colégio Piracicabano

Passou a ministrar cursos nas áreas de ciências e a colaborar com a diretora, a estadunidense Miss Watts, que mal falava português. Logo se tornou a porta-voz das diretrizes educacionais da nova escola, passando a apresentar e defender o conteúdo dos programas de ensino do Colégio Piracicabano, em artigos publicados na Gazeta de Piracicaba. Com suas fortes convicções, enfrentou destemidamente o modelo catolicista de educação e questionando a eficiência dos sistemas de ensino das irmãs do Colégio d'Assumpção de Nossa Senhora. Assim conheceu famílias influentes da cidade, como os irmãos de Barros Moraes, do quais Prudente de Moraes se tornou futuro presidente do Brasil. Era também colaboradora de A Família, publicação feminista dirigida por Josefina Álvares de Azevedo e editada por brasileiras, que denunciavam as situações de injustiça e opressão comuns às mulheres de então.

Numa fase em que as mulheres casavam-se aos 15 anos de idade e eram consideradas velhas aos 25, Maria decidiu estudar Medicina em 1889, aos 37 anos. Em três anos estava formada pelo Women's Medical College of Pennsylvania, da Filadélfia, nos Estados Unidos, destinada exclusivamente a mulheres. Em 1895, para que pudesse validar seu diploma no Brasil, defendeu na Universidade Nacional, no Rio de Janeiro, tese denominada “Influência da educação da mulher sobre a medicina social”, onde criticava as exigências da moda da época, como o uso de espartilhos, de efeitos prejudiciais à mulher, assim como a responsabilidade dos médicos homens em deixarem as mulheres em completa ignorância sobre sua própria anatomia.

Renotte Marie These

A partir de então, sua trajetória na área da saúde foi ininterrupta. Dirigiu a Maternidade de São Paulo, garantindo novo atendimento às gestantes. Foi encarregada pela Sociedade de Medicina e Cirurgia de viajar a Europa e estudar como organizar a Cruz Vermelha no Brasil. Em 1915, fundou a secção brasileira da Cruz Vermelha, tornando- se sua primeira presidente. Embora fosse evangélica, atuou na Clínica Cirúrgica da Enfermaria de Mulheres da Santa Casa de Misericórdia, ao lado de Arnaldo Vieira de Carvalho, um dos mais renomados médicos da época. Chama atenção esse fato e enfatiza o reconhecimento da competência de Maria Renotte, pois a instituição tradicionalmente rejeitava fiéis de outras religiões em seus quadros. Ainda na Santa Casa implantou, em 1914, a primeira turma da escola de formação de enfermeiras no país, da qual foi também professora. Durante a Primeira Guerra Mundial (1914/1918) ofereceu um curso especial de preparação para voluntárias.

Apesar de intensa atuação, Maria Renotte preocupava-se também com a precária situação da saúde infantil no país, que resultava em elevada taxa de mortalidade. No início da década de 1910, iniciou duas campanhas, ambas destinadas à população de baixo poder aquisitivo. A primeira visava à instalação da Casa do Convalescente. A segunda, que buscou a arrecadação de fundos junto a elite paulistana e, ao mesmo tempo, mobilizar os 176 mil alunos / matriculados nas escolas públicas, para que doassem um tostão por mês, visava a construção de um hospital. Ao final dessa mobilização, com os nove mil e quinhentos réis arrecadados e sob a direção de Ramos de Azevedo, a construção do Hospital de Crianças, no bairro de Indianópolis, foi iniciada em terreno igualmente doado. Inaugurado em 1918, funcionou até 1982.

Ela foi a primeira mulher a tomar posse no Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo no dia 4 de maio de 1901.

No dia 21 de julho, dia da independência da Bélgica, de 1912 foi fundada em São Paulo a Société Belge de Bienfaisance de São Paulo sob a presidência da Dra. Marie Renotte. Foram encontrados vestígios desta entidade até o fim de agosto de 1920, época em que foi supostamente, extinta.

A militância em defesa das mulheres, contudo, não foi esquecida e, aos 70 anos, em 1922, juntou-se à luta pelo voto feminino, sendo eleita vice-presidente da Aliança Paulista pelo Sufrágio Feminino. Aos 83 anos retornou à cidade de Piracicaba, para homenagem concedida pelo Colégio Piracicabano. Na ocasião doou à instituição, a medalha da Cruz do Mérito, concedida pela Alemanha, por seus esforços humanitários durante o período da primeira Guerra Mundial.

Os escritos publicados no Brasil por Maria Renotte, abrangem um período de 40 anos. Os primeiros artigos localizados até o momento, na Gazeta de Piracicaba, datam de 1882, e o último, de 1925, publicado nos Anais do Primeiro Congresso de Proteção à Infância, organizado por Moncorvo Filho. Podem ser divididos em quatro temas: educação; condição das mulheres; beneficência; e prática médica. Apontam para as múltiplas influências, destacando-se o iluminismo, o positivismo e o lamarckismo. Os textos evidenciam, o gosto da biografada por notícias da atualidade, o que sugere ter sido uma leitora atenta de jornais, e o desprezo pela literatura de evasão como os folhetins.

Ao falecer, em 21.11.1942, em São Paulo, cega e sem recursos, sobrevivia da humilde pensão concedida, em 1938, pelo governo do estado.

Na capital paulista há uma pequena rua com seu nome, Rua Doutora Maria Rennotte, entre a rua Cuxiponés e a praça Dr. Vicente T. Garcia (Jardim Vera Cruz), perto da avenida Pompéia.

Capa livro Marie RennotteO Dr. Helio Begliomini fez uma extensa pesquisa sobre nossa compatriota que resultou no livro "Marie Rennotte: professora, feminista, médica, humanista e empreendora - Primeira mulher a ingressar na Academia de Medicina de São Paulo" (Editora Expressão & Arte, São Paulo, 2021, 80 p.).

Fontes: